Medo de Escrever
Dois medos paralisantes que costumam me assaltar na hora de escrever são o receio de desagradar o leitor e a insegurança de não dar conta de textos mais longos
Existem alguns medos que podem tomar conta de uma pessoa na hora de escrever. Dois deles são muito comuns para mim. Ambos são paralisantes.
Acho que um dos meus maiores problemas é nunca querer ofender ninguém. Deve ser porque eu sofri muito bullying na adolescência e tenho a necessidade de que as pessoas gostem de mim, como um analista me disse certa vez. Quando acabo ofendendo alguém no calor de uma discussão, por exemplo, passo dias sofrendo com remorsos, mesmo que o miserável tenha merecido.
E eu acabo levando essa insegurança para a escrita. Muitas vezes, quando tenho alguma ideia para um texto, penso mil vezes antes de colocá-la no papel, por medo de desagradar alguém.
Fico me perguntando se minha opinião vai gerar muito hate ou se entenderão tudo errado e vão acabar me cancelando (ah, cala a boca, Ronaldo! Para ser cancelado você precisa ser famoso!).
Todas essas preocupações geram angústia e ansiedade. Daí eu guardo a ideia na gaveta, para ficar calmo.
A autocensura é tão horrível quanto a censura institucional.
Acredito que as redes sociais têm feito crescer essa autocensura em muitas pessoas que as usam com frequência. Quem cria para as redes sociais sente receio de que determinados conteúdos provoquem a perda de seguidores. É preciso agradar a todos, gerar bastante engajamento.
Mas isso é impossível. Existe a probabilidade de perder leitores por causa do que escrevemos. Afinal, não dá para agradar todo mundo. Isso é óbvio. Cada um vê as coisas do seu jeito. Como aspirante a escritor, é necessário aprender a se expor ao que os outros pensam a respeito do que escrevemos e saber conviver com isso.
No caso de críticas negativas, devemos analisá-las e pensar como podemos tirar proveito delas. Se for algo que realmente faz sentido, a gente sempre aprende alguma coisa. Se for apenas ódio, você deve jogar o comentário fora e não pensar mais nele.
Por isso, escreva o que realmente você pensa. Como diz Neil Gaiman, é preciso escrever de forma honesta, como se estivesse andando pelado na rua, por mais difícil que isso possa ser muitas vezes.
Dependendo do tipo de seguidor ou leitor, é até bom que a gente o perca.
(OBS.: Estou aqui falando sobre a liberdade de escrever sinceramente sobre o que você quiser e tal, mas isso não significa que você deve sair por aí fazendo apologia a crimes achando que isso é mera opinião, ok?)
Hoje em dia também é muito comum pensar duas vezes antes de publicar algo por receio de que um tema possa disparar gatilhos em alguém. Essa preocupação é bastante louvável e é até mesmo uma evolução em nossa forma de cuidar uns dos outros. Por mais que possa parecer censura para muita gente, não custa nada colocar um aviso de que uma obra contém assuntos que podem disparar gatilhos em determinadas pessoas, para elas estarem cientes e decidirem se querem prosseguir ou não.
O que acho problemático é nunca tocar em certos temas por serem sensíveis para alguns leitores. Dessa forma, criaremos inúmeros tabus e já temos um monte deles. A literatura não serve para debatermos e refletirmos sobre várias questões humanas? Ou fazer críticas e denúncias sociais? Fico me questionando o que será dela no futuro se pararmos de falar sobre assuntos polêmicos.
Insegurança
A outra fobia que sofro na hora de escrever é uma insegurança no meio de um texto mais longo.
Quando eu inicio, estou tomado de empolgação. Mas lá pela metade fico me perguntando se vou dar conta de tudo aquilo. Se terei fôlego para chegar até o final. E quando acabar, o que vai ser de mim sem aquela história, personagens, cenários?
Também tenho receio de que a história vai ficar ruim, que as outras pessoas vão detestar o que levei muito tempo e esforço para criar.
Ao pensar nessas coisas, a tendência é largar o projeto e procurar outra ideia, para recomeçar o processo criativo. Dessa forma, a empolgação volta e a ansiedade some. E faço isso várias e várias vezes, deixando inúmeras histórias inacabadas.
Para resolver os dois medos só tem uma solução (pelo menos para mim): ignorar esses pensamentos hesitantes e escrever. Escrever, escrever, escrever. Depois eu decido se vou publicar ou não. Ou se vou mudar alguma coisa que ficou ruim. Por ora, vou apenas escrever. Ninguém estará lendo no momento mesmo.
A escritora Anne Lamott em seu livro “Palavra por Palavra”, que, a propósito, é uma delícia de se ler, diz também ter essas inseguranças na hora de escrever, que a fazem procrastinar.
Uma delas é o que ela chama de estação de rádio QMRD (Que Merda). Ela conta que essa estação toca autoelogios no lado direito do fone e, do lado esquerdo, raps depreciativos sobre ela. A solução que ela encontra para essa situação é muito parecida com o que a gente aprende quando começa a praticar meditação. Primeiro é preciso ter consciência de que a rádio QMRD está sintonizada. Depois, você respira e fica em silêncio por algum tempo. Após o pensamento que está atrapalhando ir embora, recomece.
Outra solução que ela usa para silenciar o falatório em sua mente quando está escrevendo um primeiro esboço ruim foi aconselhada por um hipnoterapeuta. É uma solução muito divertida, para abafar as vozes de grandes escritores clássicos que olham por cima dos seus ombros e balançam a cabeça negativamente, achando tudo uma porcaria:
“Feche os olhos e fique em silêncio por um minuto até a conversa começar. Depois concentre-se numa dessas vozes e imagine que seu interlocutor é um rato. Pegue-o pelo rabo e atire-o dentro de um pote de vidro. Faça isso com todas as vozes, uma a uma. Jogue ali dentro qualquer pessoa que está resmungando em sua cabeça. Feche a tampa e veja os ‘ratinhos’ arranhando o vidro com as patas, tagarelando, tentando deixá-lo mal porque não vai fazer o que eles querem. Em seguida, imagine que existe um botão de volume no pote. Aumente ao máximo por um minuto e ouça aquele vozerio raivoso, depreciativo e acusatório. Por fim, abaixe todo o volume e observe aqueles ratos frenéticos pulando contra o vidro, tentando atingi-lo. Mantenha o volume baixo e volte ao seu primeiro esboço ruim”.
É bastante tranquilizador saber que outros escritores sofrem dos mesmos problemas que a gente. Melhor ainda quando eles são experientes e te dão dicas para superá-los. Por isso, quis trazer nestas novas um pouco dos meus sofrimentos (hehehe) e algumas soluções que também podem funcionar para outras pessoas.
E quais são suas dificuldades para escrever? Tem alguma coisa que você faz para resolvê-las? Escreva nos comentários, gostaria muito de saber!
Aproveitando ainda o clima da newsletter anterior, gostaria de te convidar a ler um conto que escrevi há algum tempo, mas que nunca publiquei, chamado “Os Idos de Junho”.
É uma historia de um rapaz alienado que está apaixonado por uma colega de faculdade intelectual e politizada. Como ele não a encontra nas baladas que frequenta e ela parece não dar muita importância para seu estilo pegador, ele decide ir a uma das manifestações que estavam acontecendo em junho de 2013 para se aproximar dela.
Você pode ler esse conto no meu blog.